Nos últimos dias Mark Zuckerberg descobriu que o mundo não é tão doce e colorido quanto a sua rede social propõe. Muitas vezes as tintas são as da dor e as do desespero, forçando até mesmo o próprio Facebook a reavaliar critérios de manutenção ou remoção de conteúdo. “Contexto e grau são tudo”, disse o CEO da rede social ao anunciar novas diretrizes para tratar vídeos ao vivo considerados “controverso
Todos os dias as pessoas acessam o Facebook para compartilhar suas histórias, ver o mundo através dos olhos dos outros e se conectar com amigos e causas. As conversas que acontecem no Facebook refletem a diversidade de uma comunidade de mais de 1 bilhão de pessoas, de acordo com a rede social. Agora, a ferramenta de vídeo ao vivo amplifica essa exposição, para o bem ou para o mal.
Na quarta-feira, 6/7, Diamond Reynolds iniciou uma transmissão ao vivo, usando seu celular e sua conta no Facebook, logo após o namorado Philando Castille ter sido baleado durante uma abordagem policial. Ambos cidadãos negros de Minessota.
A morte não é boa para ninguém. A violência também é condenável. Mas exibi-las ao vivo se encaixa em qual categoria?
No vídeo de Diamond dá para ver o policial do lado de fora gritando para que permanecesse com as mãos para cima. A certa altura, Diamond acusa o policial de ter atirado quatro vezes no namorado. Cenas chocantes, que o Facebook tratou de tirar do ar, talvez atendendo a uma denúncia de violação do termo de conduta. Horas depois, no entanto _ segundo reportagem da Bloomberg, só após a publicação do post de Mark Zuckerberg se solidarizando com Diamond, e todos os membros da rede social obrigados a conviver diariamente com o medo _ o mesmo vídeo voltou a ser exibido na timeline de Diamond.
A indecisão do Facebook entre remover ou não o conteúdo expõe, na opinião da Bloomberg, a linha fina que separa a exposição da vida pessoal da exposição de comportamentos de interesse público que alimentam o jornalismo cidadão. Revelam também o despreparo do Facebook de lidar com essa linha fina, várias vezes na mesma semana, quando os conflitos raciais explodiram nos Estados Unidos.
Na terça-feira, 5/7/, foi a vez da publicação de um vídeo gravado por testemunhas da morte de Alton Sterling. As imagens mostram um policial branco correndo atrás de um suspeito negro, em Baton Rouge, Louisiana, antes que outro policial o ajudasse a jogar o suspeito no chão e disparasse contra ele quatro vezes, à queima-roupa. Na quarta, o vídeo ao vivo da morte de Philando Castille. E na noite de quinta-feira, a transmissão ao vivo do tiroteio no Texas, que matou cinco policiais e feriu sete durante o protesto contra a morte de negros por policiais brancos.
Apenas o vídeo transmitido por Diamond foi retirado do ar. O próprio Facebook confirmou a indisponibilidade do vídeo por algumas horas. Em posicionamento enviado por e-mail, um porta-voz da companhia diz: “Lamentamos muito que o vídeo tenha ficado temporariamente inacessível. Ele saiu do ar devido a uma falha técnica, e foi restaurado logo que fomos capazes de investigar.”
Falha técnica? Seria ela o despreparo do algoritmo em lidar com denúncias de violação dos termos de uso? Não.
Para decidir que vídeos deve permanecer no ar ou devem ser removidos, o Facebook tem uma equipe de revisores de conteúdo que trabalha 24 horas por dia, todos os dias. Qualquer usuário do Facebook pode apontar um vídeo como conteúdo censurável. nesse caso, um moderador irá rever o vídeo. E se um vídeo ao vivo começar a se tornar viral, um moderador o analisa, independentemente da equipe ter recebido uma reclamação.
De acordo com as normas de conduta do Facebook, a rede social permitirá o compartilhamento de conteúdos que chamem a atenção para problemas importantes. E ressalta: “Às vezes, essas experiências e problemas envolvem violência e imagens gráficas de interesse público, como o abuso dos direitos humanos ou atos de terrorismo. Em muitas ocasiões, as pessoas compartilham esse tipo de conteúdo para condená-lo ou para conscientizar os outros”. Na sequência, afirma que o Facebook só remove imagens explícitas quando elas são compartilhadas por prazer sádico ou para celebrar e glorificar a violência.
Por exemplo, se uma pessoa testemunhar um tiroteio, e usar o Facebook Live para aumentar a consciência ou encontrar o atirador, esse vídeo é permitido. No entanto, se alguém compartilhar o mesmo vídeo para zombar da vítima ou de celebrar o tiroteio, ele será removido.
Além disso, o Facebook deixa a cargo do autor das imagens o cuidado de não chocar: “Quando as pessoas compartilham conteúdos no Facebook, esperamos que elas compartilhem com responsabilidade, escolhendo cuidadosamente quem poderá ver o conteúdo. Também pedimos que avisem o público sobre o que estão prestes a ver, caso o conteúdo inclua violência gráfica.”
Na última linha pode estar a explicação da retirada temporária do vídeo de Diamond do ar. Algo que não aconteceu em abril, quando Antonio Perkins, de Chicago, transmitiu ao vivo seu próprio assassinato. Ele foi baleado enquanto se filmava usando o Facebook Live, em um parque, no momento em ocorreu um confronto entre gangues.
O fato é que o vídeo de Diamond foi restaurado com a advertência de conteúdo violento, embora o Facebook diga que os vídeos ao vivo não precisem ser removidos antes que eles possam receber este aviso.
Diamond não teve tempo de alertar ninguém. Apenas iniciou a transmissão, impelida a denunciar uma situação de risco.
Muitos de nós faríamos o mesmo. O uso das ferramentas de vídeo ao vivo para expor situações de abuso de direitos humanos e de autoridade é crescente em todo o mundo.
A indecisão fez o Facebook se retratar. “Entendemos os desafios únicos do vídeo ao vivo. Sabemos que é importante ter uma abordagem responsável”, diz o comunicado publicado na rede social. “Assim como o vídeo ao vivo nos dá uma janela para os melhores momentos na vida das pessoas, também pode deixar-nos testemunhar o pior. O vídeo ao vivo pode ser uma ferramenta poderosa em uma crise – para documentar acontecimentos ou pedir ajuda”, afirma o texto.
Está aí um bom debate.
O fato de as redes sociais estarem longe de ter um sistema perfeito de avaliação de exclusão desses conteúdos antes que se tornem virais, certificando-se do que deve ou não permanecer no ar, é realmente um problema? Exigir censura prévia não seria muitas vezes excesso de zelo?
Não é de hoje que a internet é uma poderosa ferramenta de denúncias. Quanto mais ferramentas na mãos dos internautas, mais facilidade encontram de desnudar a realidade dos fatos.
As redes sociais podem sim auxiliar na investigação de crimes. Mas também podem ajudar a banalizá-los. Cabe a todos nós encontrar o equilíbrio no uso dessas poderosas ferramentas, para que permaneçam poderosas.
No caso do vídeo de Diamond, o Facebook reavaliou a remoção e optou por torná-lo disponível. Além das muitas cópias compartilhadas na rede, o vídeo original já tem mais de 5 milhões de visualizações. Em seu post Mark Zuckerberg disse esperar nunca mais ter de ver um vídeo como o dela. O mais correto a dizer seria “não precisar” ver um vídeo como o dela. Por que as redes sociais nada mais são do que vitrine do comportamento humano. Muitas vezes impiedoso e desumano. A realidade nem sempre é cor de rosa, como aparenta ser na rede social. E, as vezes, revela-se também na ilha da fantasia na qual muitos insistem em transformar o Facebook.
fonte http://idgnow.com.br/blog/circuito/2016/07/09/morte-ao-vivo-e-choque-de-realidade-para-o-facebook/
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